Crianças com dificuldades ligeiras de audição têm mais dificuldades em aprender a ler

Um estudo da docente Margarida Serrano, da Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Politécnico de Coimbra (ESTeSC-IPC), mostra que as crianças com hipoacusia ligeira (dificuldade auditiva pouco severa) apresentam maior dificuldade na aprendizagem da leitura do que as crianças com audição normal. A investigação demonstra ainda que o ruído existente nas salas de aula condiciona o desempenho das crianças – inclusivamente daquelas que apresentam audição normal.

A investigadora acompanhou dois grupos de 24 crianças – uma amostra constituída por crianças com hipoacusiva ligeira e outra por normo-ouvintes – entre a pré-primária e o 2º ano de escolaridade, avaliando parâmetros como a memória fonológica, vocabulário, discriminação auditiva, conhecimento das letras, consciência fonológica, descodificação de palavras e de pseudopalavras e compreensão na leitura de frases. Os resultados indicam que as crianças com hipoacusia ligeira têm pior desempenho, quando comparadas com os seus colegas normo-ouvintes, em tarefas que requerem memorização e repetição de sequências fonémicas sem suporte de informação lexical, revelando maior lentidão na aprendizagem da leitura. “As crianças com hipoacusia ligeira utilizam recursos cognitivos que implicam um maior esforço para conseguirem os resultados obtidos, especialmente na leitura de pseudopalavras, no 2º ano de escolaridade. Este esforço pode requerer maior atenção e consequentemente uma maior fadiga sentida por estas crianças”, descreve Margarida Serrano.

Estima-se que 20% das crianças portuguesas em idade pré-escolar tenham hipoacusia ligeira, dificuldade de audição provocada por alterações no ouvido médio, como otites, por exemplo. O nível de hipoacusia oscila ao longo do ano, mas o problema pode tornar-se permanente se não houver intervenção médica. Razão pela qual Margarida Serrano defende que “a avaliação audiológica das crianças no início da aprendizagem da leitura devia ser obrigatória”. Na perspetiva da investigadora, cabe aos professores estarem atentos aos sinais de alerta e implementar alterações na sala de aula (por exemplo, colocando a criança com suspeita de dificuldade auditiva num lugar privilegiado na sala de aula, onde possa ver a comunicação global do professor), se necessário.

No estudo “Impacto da Hipoacusia ligeira na aprendizagem da leitura (estudo longitudinal)” – que foi apresentado apresentado em livro a 26 de novembro, no âmbito da coleção “Ciência, Saúde, Inovação – Teses de Doutoramento”, editada pela ESTeSC – Margarida Serrano concluiu ainda que o desempenho dos dois grupos de crianças é pior no ruído do que no silêncio, quer na repetição de palavras, quer na repetição de pseudopalavras. “O ruído e a reverberação são uma constante nas salas de aula e as condições acústicas interferem na aprendizagem, especialmente nas fases iniciais, em que a criança ainda não tem autonomia de leitura e está dependente de audição”, nota Margarida Serrano. “Melhorar as condições acústicas das nossas escolas, através de pavimentos de madeira, paredes com isolamento acústico ou, pelo menos, material que permita diminuir a reverberação é algo imperativo nas nossas escolas, para o bem da qualidade da aprendizagem de todas as crianças”, sublinha.